Essa estranha instituição chamada literatura de Jacques Derrida (Resumo)

Essa estranha instituição chamada literatura de Jacques Derrida (Resumo)

Jacques Derrida (1930-2004) foi um pensador muito importante e influente do século XX, conhecido por suas ideias que transformaram a maneira como pensamos sobre a ciência, a arte e a filosofia. Ele escreveu sobre muitos tópicos, e um dos mais fascinantes é a literatura.

Para Derrida, a literatura é uma estranha instituição por várias razões:

Não tem uma essência fixa

Ao contrário do que se possa pensar, a literatura não tem uma natureza ou função definida de antemão. Não existe algo que seja "literário em si". O que reconhecemos como literatura vem de convenções e intenções que mudam com o tempo, tanto de quem escreve quanto de quem lê. É como se a "essência" da literatura fosse justamente não ter essência alguma.

O poder de "dizer tudo"

A literatura, em sua forma moderna (a partir do século XVIII), recebeu uma espécie de "licença" para dizer tudo o que se queira ou possa, sem sofrer censura religiosa ou política. Isso significa tanto a possibilidade de esgotar um assunto (dizer say everything) quanto a de dizer qualquer coisa indiscriminadamente (dizer say anything). Essa liberdade permite que a literatura desafie e suspenda as leis e as instituições.

Uma instituição "contrainstitucional"

Por ter esse poder de questionar e transgredir limites, a literatura é vista como uma "instituição que tende a extrapolar a instituição". Ela se torna uma espécie de "instituição sem instituição", pois suas regras são maleáveis e ela está sempre se reinventando.

Ligada à democracia

A liberdade que a literatura oferece para "dizer tudo" está profundamente ligada ao surgimento da democracia moderna. Ela não depende de uma democracia já estabelecida, mas aponta para uma "democracia por vir", uma promessa de abertura e questionamento contínuo.

A relação de Derrida com a literatura e a filosofia:

Ele confessou que seu interesse pela literatura veio antes mesmo de seu interesse pela filosofia. Derrida buscava um espaço onde a fronteira entre filosofia e literatura pudesse ser pensada e até mesmo desfeita. Seu desejo era escrever algo que não fosse nem literatura nem filosofia, mas que guardasse a memória de ambas. Ele chamou esse desejo de "autobiografia", um tipo de escrita que mistura reflexão pessoal com a capacidade de guardar e selar tudo o que acontece (ou deixa de acontecer).

Conceitos importantes para entender Derrida e a literatura:

"Mais de uma língua" (plus d’une langue): 
Para Derrida, toda linguagem é feita de múltiplas línguas e modos de uso, nunca sendo puramente monolíngue. A literatura reflete isso, e a própria palavra différance (um termo-chave de Derrida) é um exemplo: uma alteração na escrita (a em vez de e) que só se percebe na leitura, não na pronúncia, mostrando a diferença que a escrita pode criar.

Escritura (écriture): É um conceito amplo que não se resume à escrita fonética. A literatura é uma forma histórica da "escritura geral" ou "arquiescritura", que lida com a inscrição de traços e abala as oposições tradicionais (como forma/conteúdo, corpo/espírito).

Pressupostos metafísicos: Tanto a literatura quanto a crítica literária são influenciadas por esses pressupostos (ideias filosóficas sobre o "ser", a "verdade", a "essência"). No entanto, a literatura tem o poder de suspender esses pressupostos através da ficcionalidade ou de uma espécie de ironia, mesmo quando parece adotá-los.

Deconstrução e o "gozo": A desconstrução, que Derrida usa para questionar as estruturas e os limites das instituições, não é inimiga do prazer. Pelo contrário, ela pode liberar um "gozo proibido", um prazer sutil e intenso que surge ao suspender as certezas e os pressupostos.

Iterabilidade: Esta é a capacidade de um texto de ser repetido, transplantado e recontextualizado em diferentes momentos e lugares, sem perder seu sentido ou eficácia. É por isso que uma peça como Romeu e Julieta, escrita no século XVI, ainda pode ser lida e encenada hoje, sendo reinventada em contextos diversos. A literabilidade é a condição da própria historicidade.

Contrassinatura: O ato de ler não é passivo. O leitor "contra-assina" a obra, o que significa confirmar e respeitar a assinatura do autor original, mas também traçá-la de uma forma nova e singular, reinventando o texto para si. É um diálogo entre singularidades.

Crítica literária e a "pouca literatura"

Derrida sugere que a crítica literária tradicional muitas vezes é tão ou mais governada por pressupostos metafísicos do que a própria filosofia, especialmente quando tenta ser muito teórica. Uma "boa" crítica literária, para ele, deve ser um ato criativo que inventa uma nova experiência da linguagem, funcionando como uma "contra-assinatura" do texto lido.

A provocativa afirmação de Derrida de que "há tão pouca literatura" não significa que existam poucos bons livros, mas sim que a própria identidade da literatura é sempre problemática e instável. Não há um critério interno que garanta a "literariedade" de um texto, e as convenções que a definem são sempre precárias e sujeitas a revisão.

Derrida nos convida a ver a literatura não como um gênero fechado ou com uma função única, mas como um espaço de liberdade radical, que questiona, desestabiliza e nos faz pensar sobre os limites da linguagem, das leis e de nossas próprias instituições, sempre abrindo caminho para o novo e o inesperado.

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