Teoria literária hoje - Jonathan Culler

Teoria literária hoje - Jonathan Culler

O autor, Jonathan Culler, aborda o tema "Teoria Literária Hoje" no Ocidente, descrevendo as transformações significativas nos estudos literários e culturais na Europa e nos Estados Unidos desde o final dos anos 1960, sob o impacto do que é comumente chamado de "teoria". Ele esclarece que essa "teoria" raramente é uma teoria da literatura no sentido de descrever a natureza singular das obras literárias ou os princípios metodológicos da disciplina acadêmica. Em vez disso, a "teoria" é uma miscelânea de obras de diversas áreas – como antropologia, estudos de cinema, estudos de gênero, linguística, filosofia, teoria política, psicanálise e história social e intelectual – que se mostraram sugestivas e produtivas para estudiosos da literatura.

A "teoria" surgiu com o movimento estruturalista, que se concentrava na significação em geral. Críticos literários recorreram a outras áreas porque os estudos literários anteriores eram frequentemente superficiais, focando na história de autores sem refletir sobre o funcionamento da literatura como prática cultural. A teoria ofereceu recursos para repensar a literatura e seu estudo, levantando questões sobre a linguagem, a mente, a história, a cultura e a própria literatura em termos históricos, psíquicos, linguísticos, antropológicos e filosóficos.

A teoria enriqueceu as ciências humanas, promovendo uma leitura mais atenta do texto literário. Embora no século XXI não seja mais uma novidade e haja quem declare sua "morte", a teoria tornou-se parte integrante do cenário acadêmico ocidental, sendo amplamente aceito que todo projeto intelectual se baseia em algum tipo de teoria. A teoria, longe de ser estática, convida à autoreflexão, ao questionamento de pressupostos e à busca por novas formas de pensar e engajar-se com o mundo.

Os principais temas e desenvolvimentos recentes na teoria literária, segundo o autor, são:

• Renovação da Narratologia: O estudo formal da estrutura narrativa está retornando, diferentemente da narratologia estruturalista que se baseava na linguística. A narratologia recente se articula com a ciência cognitiva, investigando como o cérebro processa informações e concedendo um papel central à narrativa na compreensão da experiência. Além disso, ela expandiu seu alcance histórico e temático, incluindo histórias da vida cotidiana e rompendo com a centralidade do enredo para focar na "experiência" como definidora da narrativa. Autores como Monika Fludernik, David Herman e Rick Altman são destacados nesse renascimento.

• Ressurgimento de Derrida e Declínio de Foucault/Lacan: Houve uma mudança nas figuras dominantes da teoria nos EUA. Enquanto Freud, Lacan e Foucault foram referências importantes (Foucault, mesmo sem trabalhar diretamente com literatura, inspirou projetos historicistas), recentemente observa-se uma diminuição de sua influência, com um ressurgimento da obra de Jacques Derrida. Publicações póstumas de seus seminários e novas análises, como Radical Atheism: Derrida and the Time of Life de Martin Hagglund, evidenciam o envolvimento contínuo da teoria com Derrida, especialmente sua preocupação com a temporalidade e a sobrevivência.

• A "Virada Ética" e os Estudos Animais: A teoria tem demonstrado um retorno à ética, que pode ser vista como uma continuação da contestação de oposições hierárquicas (masculino/feminino, branco/negro, heterossexual/homossexual) que marginalizaram grupos. Essa lógica se estende à distinção entre humano e animal, questionando a construção do animal como "o outro". Os "estudos animais" ou "estudos humano-animal" são um campo interdisciplinar crescente, por vezes visto como um movimento político pela justiça. Há um debate entre correntes que buscam similaridades e continuidades entre humanos e animais (promovendo um "estar com os animais") e aquelas que enfatizam a alteridade radical e inacessibilidade dos animais, exigindo respeito à sua diferença. A literatura é vista como um espaço privilegiado para explorar essas relações.


• Ecocrítica: Um movimento amplo que questiona a oposição binária entre "homem e natureza", confrontando o antropocentrismo e promovendo o respeito pelo meio ambiente e por todos os seres não humanos. A ecocrítica não é um método particular, mas uma mudança de escala e um foco na violência do antropocentrismo, explorando textos que abordam a natureza e a consciência ecológica. O bem-estar de todas as formas de vida e do meio ambiente é sua finalidade central, como exemplificado pela obra de Ursula Heise.

• O Pós-humano: Esse desenvolvimento surge da crítica à oposição homem/máquina, questionando a concepção tradicional do ser humano como sujeito autônomo, racional e com livre-arbítrio. A noção de "pós-humano" sugere que sempre fomos diferentes dessa imagem humanista tradicional, e que computadores e máquinas apenas tornaram evidente que a psique e o corpo são complexos e não totalmente controlados. Donna Haraway, com seu "Manifesto Ciborgue", é uma figura chave, argumentando que somos quimeras, híbridos de máquina e organismo. A ideia é que vivemos em sistemas de "cognição distribuída", e que noções como indivíduo e livre-arbítrio podem ser ficções heurísticas. O termo "pós-humano" serve para marcar uma mudança de pensamento e contestar as simplificações grosseiras das oposições.

• Retorno à Estética / Novo Formalismo: Curiosamente, o interesse pelo pós-humano contribuiu para um renascimento da estética na teoria literária e cultural. As noções tradicionais de estética (gênio, autonomia, universalidade da arte) foram historicamente ligadas a concepções de sujeito que a teoria combatia. No entanto, um "novo formalismo" ou "novo esteticismo" denota uma atenção renovada à forma literária e artística, questionando o que distingue a arte e a literatura do restante dos objetos de consumo. Jacques Rancière é mencionado como importante por inverter a crítica de que a estética é elitista, mostrando que a revolução romântica na arte e literatura foi um projeto democratizante. Esse retorno à estética também se conecta com as questões estéticas das novas mídias digitais, do hipertexto e dos jogos, onde a literatura pode ser vista menos como um texto fixo e mais como um evento interativo.

Culler conclui que a teoria está num mundo interdependente e que um dos grandes desafios é trabalhar as relações entre a teoria ocidental e as abordagens de outras culturas, prevendo uma atividade teórica contínua e envolvente


Referência: CULLER, Jonathan. Teoria literária hoje. In: CECHINEL, André (org.). O lugar da teoria literária. Florianópolis: EdUFSC; Criciúma: Ediunesc, 2016. p. 83-99.

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